quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A Fraternitas Rosicruciana Antiqua e sua influência telêmica


Conversando com um Irmão R+C acerca da natureza de algumas sociedades que se apresentam sob a denominação "Rosa Cruz", ressurgiu a velha questão: a Fraternitas Rosicruciana Antiqua é uma organização telêmica?

A ocasião não era propícia para uma exposição mais alongada, mas, por tratar-se de um assunto recorrente, certamente haverá novas oportunidades para debatermos sobre o tema.

Por ora, resolvi deixar aqui um resumo do entendimento que me resulta da vivência pregressa na FRA de Krumm-Heller, assim como na O.T.O. e na A.'.A.'. de Crowley:

(I) Se se pensa na literalidade de Thelema ("Vontade"), a FRA, como qualquer outra organização de cariz iniciático, é uma fraternidade telêmica. Afinal, não se pode prescindir da vontade no caminho da espiritualidade.

(II) Se, por outro lado, se pensa em Thelema como o sistema filosófico/mágico/religioso proposto por Aleister Crowley - dotado de elementos operativos, doutrinários e filosóficos de identidade própria, então a resposta não é tão linear. Senão, vejamos:

a - nenhum exercício prescrito por Crowley integra o currículo operativo da FRA, nem figura a doutrina telêmica em sua grade de estudos oficial.

b - Nenhum dos rituais formulados por Aleister Crowley é adotado em sua integralidade pela Fraternitas Rosicruciana Antiqua. Porém, aqueles que já tiveram a oportunidade de participar dos rituais de congregação da FRA, certamente perceberão a forte inspiração de dois deles em escritos de Crowley, notadamente Liber CCXX e Liber XV (o terceiro ritual é de antiquíssima origem greco-egípcia). A conhecida admoestação de Krumm-Heller, no sentido de que "tereis de dar conta de todos os vossos atos", em seguida do "Faz o que tu queres", é, em termos puramente iniciáticos, desnecessária. Afinal, quando se está a realizar e Verdadeira e Divina Vontade (Thelema), não há Carma a se temer.
Em diferentes passagens, Crowley cuidou de deixar claro que "Faz o que tu queres" não significa "Faz o que te agrada". Logo, a admoestação do Mestre Huiracocha, ou é sinal de um entendimento superficial da mensagem telêmica, ou expressa um excesso de zelo com a natural superficialidade dos membros recém-iniciados.
De uma forma ou de outra, isto não revela qualquer incompatibilidade da FRA em relação a Thelema, cabendo relembrar que, quando da elaboração dos Rituais pelo Mestre Huiracocha, o Novo Aeon ainda era bastante incipiente.

c - a magia sexual ritualística não é um elemento central no caminho proposto pela FRA, que se difere sensivelmente da vertente proposta por Crowley. Sem me alongar, posso afirmar que a utilização da energia sexual no sistema de Krumm-Heller guarda semelhanças com alguns sistemas orientais de "Alquimia Interna", compreendendo, ainda, o conhecimento e a aplicação dos biorritmos e dos tatwas. Krumm-Heller propunha um caminho monogâmico, passível de ser plenamente percorrido, independentemente do gênero do praticante, recomendando que se evitasse o que entendia como desperdício da energia sexual (o desperdício não vem do desuso, mas sim do mau uso).
No entanto, no final de sua vida, Krumm-Heller começou a delinear um curso de Magia Sexual, chegando a ter feito anotações sobre o texto-base da famosa obra "Magia Sexualis", atribuída a P. B. Randolph.  Sem dúvida, essa obra serviu de inspiração para a composição das ideias sobre magia sexual propagadas pela antiga (e extinta) O.T.O. e absorvidas por Crowley.
Aqui, cabe mencionar que o Capítulo XII da Novela Rosacruz faz referência aos manuscritos da Irmandade Hermética da Luz sobre o tema - textos sabidamente influenciados/escritos por Randolph e postos à base de escolas como a OTO de Theodor Reuss e o Collegium Pansophicum de Heinrich Tränker.
Logo, é correto afirmar que o Mestre Huiracocha reservava para o nível mais avançado da FRA a revelação de "segredos" (hoje, não mais tão secretos) de magia sexual, bem mais próximos do sistema do Mestre Therion do que a orientação inicial dada em seus livros, revistas e cursos.
Essa preocupação com a exposição reservada desses "segredos" pode ser facilmente explicada pela proximidade que o Dr. Krumm-Heller mantinha, também, com o Dr. Ernst C.H. Peithman (Basilides), fundador da Igreja Gnóstica de Eleusis - o qual repudiava publicamente as ideias de Crowley. Ao pretender-se sucessor de Peithman, Krumm-Heller obviamente não poderia reconhecer abertamente a validade das ideias sobre Magia Sexual que inspiravam e eram defendidas por Crowley.
Os que têm acesso às notas finais do Mestre Huiracocha saberão que a compatibilização dessas técnicas, a princípio tão distintas, se dá pela aplicação do que ele chamava de "sexualidade científica", isto é, pela utilização de um ou outro método de acordo com os biorritmos do praticante.

Como se vê, não há nada que permita desprezar a influência de Crowley sobre Krumm-Heller, que o considerava um verdadeiro Mestre, ao lado de Papus, Levi, Reuss, Hartman, Tränker e Peithman, por exemplo. Tal influência é inegável para qualquer membro do círculo interno da FRA e dá a esta um sabor próprio e especial, que a distingue das demais sociedades rosicrucianas. A insistente tentativa de criar uma barreira em relação a Thelema, além de artificial, tem sido causa de visíveis distúrbios intelectuais e energéticos entre os membros da Fraternidade.
O que se deve ter em mente é que a FRA se vale da leitura peculiar dada a Thelema pelo Doutor Krumm-Heller - ele próprio um Mestre de grande estatura espiritual, que soube enxergar a necessidade de adaptação dos sistemas iniciáticos vigentes em sua época às premissas do Novo Aeon.

10 comentários:

Anônimo disse...

Saudações!
Gostei imenso do que li,mas fiquei com uma dúvida: O que significa " não desperdiçar a energia espiritual "?
Grata por qualquer resposta
Fátima

ZadKiel R+ disse...

Querida Fátima, grato por teu comentário.
Por favor, vê que está escrito "não desperdiçar a energia sexual" - e isto tem significado intuitivo. Não escrevi sobre desperdício de energia espiritual, até porque acredito que tudo o que façamos tem uma oportunidade de aprendizado espiritual por detrás; portanto, qualquer desperdício de energia espiritual, tomando-se em conta o grande quadro, seria meramente aparente, até que se pudesse dizer se uma oportunidade de crescimento foi, ou não, perdida. No último caso, teria havido o desperdício de energia (e aqui, nota, podemos deixar de lado qualquer locução adverbial, como sexual, espiritual, material etc).
Espero tê-la respondido a contento.
Fraternalmente,
Zadkiel R+

Anônimo disse...

Ufa! Que susto...pensei que fosse outra coisa... Fiquei esclarecida,sim. Agradeço sua resposta.

Carlos Raposo: disse...

Tenho um pequeno artigo sobre a "participação" de A. Krumm-Heller na O.T.O. de Reuss.

Ele poderá ser lido no link: http://orobas.blogspot.com/2009/03/uma-nota-sobre-arnold-krumm-heller.html

Abraços e parabéns pelo blog.

Alexandre disse...

Mas o que faz a foto da "Besta" na Galeria de imagens no site da FRA?

Se a FRA nada tem a ver com a Thelema profana do dito mestre therion, pq a homenagem?

Gnose Hiperbórea é Fraude disse...

Alexandre:
Uma coisa é não concordar com as idéias de Aleister Crowley, porém, respeitá-lo, outra é repudiar preconceituosamente o dito personagem, com clara manifestação de ódio.
Se, simplesmente ter a foto de Aleister Crowley seria um sinal do que se poderia tachar de Lado negro, pior ainda é a raiva, preconceito, intolerância e desrespeito pelo trabalho alheio, coisas que nada condizem com o caminho iniciático.

Anônimo disse...

Caríssimo Sr "Gnose Hiperbórea é Fraude", Não se apresse em suas conjecturas. Nisto, gasta munição por nada. Não falei em "Lado Negro". É um termo seu. Até pq eu não arriscaria seria determinar o que é negro e o que é escuro. Seria medíocre de minha parte. Mas está certo quando observa que eu não concordo com as idéias da autoproclamada "Besta", quanto a raiva, preconceito, intolerância e desrespeito pelo trabalho alheio...
não procede, meu caro. Intolerante e preconceituoso está claro foi o Sr diante de minha indagação, a meu ver mais do que legítima. Afinal, qq pessoa que não conheça a Ordem em questão e vê uma imagem de Crowley intui que a mesma possa endossar suas premissas e fazer uso delas em seus rituais, e consequentemente, por uma questão de incompatibilidade, declinar em seu desejo de tornar-se membro. Mas daí a intuir o ( palavras suas ) Lado Negro ... bola fora sua, hein ... Felizmente acabei descobrindo que a FRA, como reza o artigo, segue uma outra corrente,embora tenha em seus quadros membros valiosos que não somente respeitam com até admiram e fazem parte da O.T.O. Grande Abraço!

Jessé disse...

Adorei o texto! Como membro e acólito da FRA, já conversei com vários dos meus irmãos e alguns, como eu, chegaram a mesma conclusão. Isto é, que o Mestre Krumm-Heller não somente honrou o Mestre Therion tendo afirmado sua influência sobre si, como também defendia a magia prática e sexual.

ZadKiel R+ disse...

Irmão Jessé, eis a minha opinião sincera sobre o tema: mais cedo ou mais tarde, a FRA deverá resolver sua flagrante crise de identidade. Quer vá para um lado, quer vá para o outro, isto é uma medida que se impõe.
Há um grande conflito energético quando convivem sob o mesmo teto elementos do movimento "I AM" e conjurações do panteão telêmico.
Nesse sentido, a FRA da Espanha e a orientação do Soberano Comendador Parsival Krumm-Heller deveriam servir de exemplo, pois não lutavam contra a corrente do Novo Aeon.

Raio de Luz e Flor da Lua disse...

Zadkiel você expôs algo que para qualquer estudioso da FRA é algo latente. A incorporação do Movimento Eu Sou por parte do antigo Comendador é algo que destoa muito dentro da egrégora da FRA. Creio que isso começou quando a FRA do Brasil após a Segunda Guerra troxe o irmão Jorge Adoum, na qual seguia uma corrente de Eu Sou, mas sua linha de trabalho vinha do Oriente Médio e escolas de lá. Tentando continuar esse trabalho, incorporam esse Movimento Eu Sou e a luz violeta, por causa de Saint Germain. Movimento marcado por fortes críticas nos EUA.
Creio que isso só será superado quando dentro da FRA conseguimos aliar o Eu Cristico (típico dos Rosa-cruzes) com a Thelema.