segunda-feira, 14 de abril de 2008

Os direitos humanos como processos de luta pela dignidade

I.Introdução.

Este trabalho encontra-se centrado em cinco textos de autoria do Professor Joaquin Herrera Flores: “Los derechos humanos como procesos de lucha por la dignidad”, “La complejidad de los derechos humanos: bases teoricas para una definicion critica”, “Los derechos humanos y el orden global: 3 desafíos teórico-políticos”, “Estratégicas teóricas: la definición de los derechos humanos em el marco de uns concepción material y concreta de la dignidad humana” e “Situar los derechos humanos: el diamante ético como marco pedagógico e de acción”.
Os textos são permeados pela noção de que os direitos humanos, como produtos culturais que são – isto é, decorrentes de reações fáticas e criações normativas ocorridas em contextos concretos (sociais, econômicos, jurídicos, políticos, históricos) –, devem ser investigados e entendidos como fruto de demandas sociais, mundanas e ocidentais, não como fenômenos naturais, metafísicos e universais.
Complementando a constatação acima, também é nuclear a idéia de que, se por vezes os direitos humanos ressaltam da mobilização de grupos que, em contextos determinados, encontram-se à míngua de proteção normativa e/ou desprovidos de efetivo poder de reação em face do desrespeito por sua dignidade, não se pode ignorar que, por outras, são positivados para atender à hegemonia e às ideologias próprias do capitalismo, conferindo ares de legitimidade a seus discursos e práticas. Afinal, não se pode perder de vista o fato de que as relações de mercado ocidentais há séculos vêm impondo ao mundo sua hegemonia econômica e ideológica, e de que isto obviamente se traduz em termos culturais, dando contornos próprios à luta pela dignidade a ser travada contra as imposições de uniformização social, econômica e cultural ditadas pelo capitalismo.
Nesse cenário, apesar de ser um legítimo mecanismo de resistência, o direito, isoladamente, não basta, porquanto incapaz de abarcar a miríade de situações compreendidas na realidade em que vivemos. Há de se lançar mão de outros mecanismos, de cariz político e enraizados na concepção de que o ser humano, longe de ser um ente abstrato e restrito ao plano ideal, deve avocar a responsabilidade de influenciar e conformar a realidade concreta em função de seus anseios de dignidade, apontando as imperfeições das relações hegemônicas e construindo alternativas à “ideologia-mundo” a partir de estratégias e ações afirmativas. Esse conjunto de ações capazes de potencializar a criação de dispositivos e mecanismos aptos a proporcionar liberdade para que cada qual escreva sua própria história e igualdade na divisão social do trabalho conferem aos direitos humanos a natureza de processos de luta pela dignidade humana.

II.1. Na construção das bases teóricas para uma definição crítica dos direitos humanos, saltam aos olhos os diferentes cenários em que inserida a humanidade quando da Declaração Universal de 1.948 e nos tempos atuais. O mesmo vale quanto aos Pactos Internacionais de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e sobre Direitos Civis e Políticos, ambos de 1.966. Diferentemente do que ocorria naqueles momentos históricos, atualmente a chamada guerra fria encontra-se superada, o processo de descolonização controlada já se encontra consolidado, e já não se verificam, com intensidade perceptível, as antigas políticas públicas interventoras que visavam a amenizar o impacto perverso do mercado sobre a sociedade. Surgiram novos atores no plano internacional, e os Estados e a sociedade é que se encontram cada vez mais submetidos às regras ditadas pelo mercado – cujo império não se submete à legitimação democrática – por meio de instituições tais como a Organização Mundial do Comércio, que dita normas, faz julgamentos e impõe sanções que, em nome do livre comércio, passam por cima das condições de eficácia dos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. Em tempos de globalização neoliberal, assistimos ao triunfo do capitalismo e à ideologia do Consenso de Washington, com a redução dos bens da vida a simples moeda de troca e a interpretação da racionalidade particularista-capitalista como a expressão única do que há de verdadeiramente racional.
Observa-se, portanto, uma inversão de paradigma. De modo perverso, nesse novo modelo, os direitos humanos são considerados custos ou gastos sociais e, portanto, mantidos no centro da alça de mira do mercado globalizado, que constantemente lança mão de instrumentos de manipulação social a fim de dar aparência de legitimidade ao “corte dos custos”, ou seja, aos atentados que pratica em nome da acumulação de capital, em detrimento da justiça, da responsabilidade, da redistribuição, enfim, da própria dignidade da pessoa humana.
Com a OMC (em compasso com o Banco Mundial e o FMI), que possui um status político do mesmo peso do a ONU, surge um “novo constitucionalismo”, fundado na garantia da mobilidade do capital nos mais diferentes espaços sócio-econômicos, à custa da erosão da representatividade política dos Estados-membros – que se vê limitada diante das correntes de legitimação cada vez mais contraditórias e de mãos atadas diante da impossibilidade de fazerem-se reservas no plano nacional às regras daquela Organização, tal como previsto em seu Estatuto, bem como da obrigatoriedade da submissão de conflitos dos membros à sua “jurisdição” e da aceitação das sanções por ela impostas – tudo sem qualquer compromisso com a transparência ou com a qualificação dos julgadores para analisar temas que não digam respeito exclusivamente às práticas de comércio internacional alinhadas à filosofia da própria OMC. É essa filosofia que obriga os Estados-membros a adequarem-se às regras da Organização até mesmo na implementação de compromissos que digam respeito à saúde, ao meio-ambiente e aos direitos humanos. Mais: é essa filosofia que permite que organizações mercantis patenteiem até mesmo o conhecimento ancestral das comunidades indígenas e, na esteira do Trade Related International Property Rights (“acordo TRIP”), exerçam propriedade sobre microorganismos e procedimentos biológicos para a criação de plantas e animais, a despeito dos riscos que tais procedimentos possam representar contra a biodiversidade, a segurança química e biológica, a ética da conservação e os tradicionais direitos das comunidades locais sobre a biodiversidade. Tudo se resume, assim, a mercadoria passível de compra e venda, justificando-se pura e simplesmente na liberdade de acumulação de capital.

II.2. A percepção dessa realidade é vital para que se contextualizem os direitos humanos na atualidade. E a contextualização dos direitos humanos é vital para que se os entendam como processos, ou seja, como resultados provisórios das lutas que a humanidade trava para ter acesso aos bens necessários para a vida com dignidade.
Nesse sentido, a redução dos direitos humanos ao seu aspecto jurídico-formal, pondo-os em um pedestal de pureza absoluta, retiraria de cena os óbices enfrentados para a concretização desses direitos, proporcionando, pois, uma leitura apenas parcial da realidade, que seria, assim, tomada por absoluta, única e universal, ignorando o abismo que existe entre o que se encontra nos textos e conferências sobre direitos e a realidade de desigualdades e injustiças que se verificam no mundo dos fatos.
De sua parte, a contextualização dos direitos humanos abre as portas para a conscientização e a intervenção da própria humanidade contra a ordem instalada, mitigando as matizes da hegemonia, da invisibilidade, da centralização e da hierarquização das práticas sociais tradicionais, assim como a influência da ideologia subreptícia que espreita por detrás de práticas deletérias que apresentam-se com ares de legitimidade. Os direitos humanos deixam de ser encarados como normas meramente formais e passam a ser vistos como normas de resistência, garantidoras do impulso humano de construir e assegurar as condições sociais, econômicas e culturais de luta pela dignidade e pela prevalência dos valores de liberdade, igualdade e solidariedade construídos no curso dessa luta, de modo emancipado.
Essa idéia rompe com a tendência de aceitarem-se os direitos humanos como “direitos a ter direitos” - abstrações perenes e universais postas em textos e narrativas jurídico-formais - e tem a virtude de situá-los em meio à rede de relações sociais, culturais, econômicas, normativas e políticas que abrem espaços de luta pela dignidade, seja qual for a concepção que se apresente em uma dada situação concreta. Muito mais do que abstrações normativas puristas, não históricas, transcendentais, alheias às resistências sociais e imunes às intentadas da extensão ideológica do capitalismo, os direitos humanos são processos e dinâmicas históricas, que tomaram a forma de normas e declarações ao longo do tempo e atualmente se consubstanciam em adaptação ou reação em face das conseqüências antidemocráticas e genocidas do modo de produção capitalista nos campos da cultura, da economia, da política, do direito e das relações sociais.
A face dos direitos humanos, de contornos individualistas, etnocêntricos, “estatalistas” e formalistas, que funcionou bem diante da fase de acumulação de capital em voga na segunda metade do século XX e suas correspondentes formas de poder social, econômico e cultural, já não se sustenta diante das novas feições contextuais, em que o capitalismo, sob a roupagem do neoliberalismo, expandiu-se globalmente em virtude da queda do socialismo real, demandando novas formas de antagonismo.
No atual quadro, observa-se uma mudança em nível jurídico, pois ao passo que as constituições estão se convertendo em simples declarações nominais e semânticas, o direito internacional, outrora centrado na soberania e no particularismo, vem perdendo força diante de uma releitura progressista, que, diante das injustiças perpetradas no mundo globalizado, dá ênfase à mundialização das necessidades e demandas de indivíduos e grupos, na busca da justiça e da solidariedade materiais e na instauração de uma relação “circular” entre o Estado e a comunidade internacional.
Em nível fático, reagindo ao quadro de injustiça e desigualdade instalado pelo neoliberalismo neoconservador, os processos de direitos humanos – ontologicamente éticos, reativos e criativos – têm gerado focos de resistência que se opõe frontalmente à manipulação do modo capitalista de relação social. As mobilizações antiglobalização orquestradas nos locais onde, outrora, reuniam-se tranqüilamente os líderes do neoliberalismo e poderosos do planeta, os Foros Sociais Mundiais, a luta pela isonomia de direitos e tratamento da mulher, o ativismo ambientalista, o levante sindicalista contra a supressão e a flexibilização dos direitos dos trabalhadores, a resistência dos povos indígenas, o trabalho de ONGs e Associações com espectros de ação proativa dos mais variados são exemplos bastante perceptíveis de lutas plurais e diferenciadas pela modificação das condições de estar e viver no mundo.

II.3. Algumas estratégias ajudam na formação do quadro acima e na compreensão dos direitos humanos à luz da concepção material e concreta da dignidade humana. A primeira, “conhecer e saber interpretar o mundo”, implica a leitura crítica e atual da Declaração Universal de 1.948, num contexto em que predomina a hegemonia da ideologia jurídica e política neoliberal e neoconservadora, o Estado formal de direito, vassalo do capital, prevalece sobre o Estado social de direito.
A segunda, “a função social do conhecimento dos direitos humanos: todo conhecimento é um conhecimento produzido por alguém e para algo” importa na conceituação dos direitos humanos a partir da contextualização das polêmicas nas quais estamos inseridos enquanto tentamos concretizar a idéia de dignidade em face do “novo espírito do capitalismo”. Para tanto, é necessária a superação de dicotomias jurídicas para que se possa ampliar, afirmativa e positivamente, o campo semântico do que entendemos por direitos humanos, introduzindo investigações de condições sociais, políticas, econômicas, jurídicas e culturais nas quais ocorrem o conhecimento e as práticas sociais. A partir dessa ampliação, percebe-se que o conhecimento é um bem social, que merece proteção contra a tendência de privatização imposta pela ideologia e pela política neoliberais. Obviamente, o conhecimento dos direitos humanos está inserido nessa categoria. E três são as condições para que se possa levar adiante a função social do conhecimento dos direitos humanos: a crítica do próprio conhecimento; a percepção do ser humano como ente material, dotado de carências e necessidades, que não apenas pensa, mas também faz; e teorizar no e para o mundo, em vez de fixar-se na tendência de pensar o mundo de modo apriorístico e transcendente à ação humana.
A terceira, “definir supõe delimitar o horizonte da utopia: o conceito e as especificações dos direitos humanos” requer que se constate que o direito tem componentes utópicos e ideológicos a que se faz necessário decifrar. Novamente, a contextualização do direito é necessária para que se possa defini-los, destacando-os dos interesses hegemônicos e aproximando-os das reivindicações, anseios e valores das pessoas e grupos vitimizados. A delimitação daí decorrente deve dar-se em função de uma postura ética, axiológica e política diante da dignidade humana de todas essas vítimas de violações ou exclusões e da análise de quão próximo ou longe as relações sociais se encontram das normas historicamente estabelecidas à luz da luta pela vida, pela igualdade e pela liberdade. Deve entender-se que os direitos não funcionam por si só nem se concretizam apenas com a produção jurídica, mas sim a partir da criação de condições de igualdade - social, econômica, cultural – que possibilite a materialização da liberdade positiva e da fraternidade libertadora.
Por fim, a quarta, “bases teóricas para uma definição material da dignidade humana”, está impregnada da luta pela afirmação das concepções críticas e antagonistas, que têm sido postas de lado ou ocultadas pela generalização da já ressaltada “ideologia-mundo”. Percebendo-se os direitos humanos como produtos culturais ocidentais e como processos de luta e resistência contra a corrente ideológica hegemônica, criam-se caminhos de dignidade material, concreta, isto é, aberta à capacidade cultural de o ser humano propor e adotar alternativas contrárias ao que é imposto como universal.

II.4. A fim de ilustrar as idéias até agora analisadas, demonstrando graficamente a interdependência da miríade de fatores que definem os direitos humanos no contexto atual, cai bem a figura de um diamante – representativa da tridimensionalidade (concretude) e do constante movimento (evolução). Esse diamante, qualificado de ético na aposta de que os direitos humanos constituem um marco para a construção de uma ética que mire a concretização de condições para que todos os indivíduos, culturas e formas de vida possam levar à prática a sua concepção de dignidade humana, apresenta dois eixos principais: um vertical, onde encontram-se as categorias teóricas/conceituais, e outro horizontal, onde encontram-se as categorias práticas/materiais. No centro, está a própria dignidade humana. Quanto maior o grau de concreção dos direitos, isto é, quanto maior o grau de satisfação da necessidade, mais próximo estar-se-á do ideal de dignidade humana. Quanto menor aquele grau, mais legitimados estarão os afetados para indignarem-se contra a situação em que se encontrem. E aqui relembra-se que não se fala de dignidade em sentido metafísico ou abstrato, mas sim invocando-se as possibilidades e os obstáculos com que um ser humano ou um grupo de pessoas se deparam no momento do acesso aos bens materiais e imateriais.
O eixo vertical (conceitual) compreende as teorias (formas de olhar e formar uma idéia de um processo ou uma coisa); os valores (preferências individuais ou coletivas, majoritárias ou minoritárias); a posição (lugar ocupado nas relações sociais, que determina a forma de acesso aos bens); o espaço (local físico, geográfico, humano ou cultural onde se dão as relações sociais); as narrações (formas como as coisas ou situações são definidas e modos como somos definidos e nos ditam como devemos participar das relações sociais) e as instituições (normas, regras, procedimentos que articulam hierárquica e burocraticamente a resolução de um conflito ou a satisfação de uma expectativa);
O eixo horizontal (material) compreende as forças produtivas (tecnologias, tipos de trabalho e processos econômicos que levam à produção de bens ou à prestação de um serviço); a relação social de produção (a forma de relacionamento dos que intervêm na produção de bens e serviços, entre si mesmos e com a natureza); as disposições (consciência da situação que se ocupa no processo de acesso aos bens e de como se atua nesse processo); a historicidade (situação de um processo social em relação a suas causas históricas e aos grupos que lhe deram origem, bem como o momento e os efeitos desse processo); o desenvolvimento (processo e situação social atual de criação de condições sociais, econômicas e culturais que permitam ou impeçam o acesso aos bens) e as práticas sociais (formas de organização e de ação a favor ou contrárias à situação de acesso aos bens pretendidos).
Esse diamante apresenta três camadas. A primeira é formada pelas categorias genéricas da metodologia relacional, ou seja, pelos elementos que compõem os processos sociais e econômicos – teorias, instituições, forças produtivas e relações sociais de produção.
A segunda camada diz respeito ao caráter impuro dos direitos humanos, ou seja, aos direitos inseridos nos – e permeados pelos – contextos sociais, históricos, econômicos e culturais, bem como ao reconhecimento de que, nos campos social e cultural, não há entidades estáticas, mas tendências e processos dinâmicos. Nessa camada, estão a posição, a disposição, a narração e a historicidade.
A terceira camada – formada pelos elementos do espaço, dos valores, do desenvolvimento e das práticas sociais – dá a dimensão dos direitos humanos como resultado dos processos de luta pela dignidade.
A figura do diamante ético, cujos elementos se relacionam, ainda que não todos a um só tempo, ressalta a importância do contexto e das experiências discrepantes e pode ser utilizada, tanto para a compreensão, como para a prática dos direitos de diferentes modos – elegendo-se relações concretas entre diferentes elementos, estudando-se as camadas ou inter-relacionando as diferentes camadas.
O importante é saber escolher as camadas, os eixos os elementos que interessam no momento do trabalho analítico e prático dos direitos humanos, entendidos como processos que abrem ou fecham espaços de luta pela dignidade humana. Dessa forma, e com a devida contextualização, tudo o que foi exposto acima passa a fazer sentido para além do plano meramente intelectual.

II. Conclusão:
Como todo trabalho de natureza crítica, os textos analisados nos forçam a refletir sobre questões que, muito embora postas diante de nossos olhos, não raramente escapam de nossa percepção.
A compreensão de que a mera produção normativa não apresenta resposta à altura das diversas violações, marginalizações e exclusões observadas no dia-a-dia e de que, por conseguinte, os direitos humanos devem ser entendidos como processos de luta pela dignidade que (também) se desenvolvem em espaços exteriores ao mudo jurídico, é essencial para que se vislumbre com maior amplitude o quadro em que esses direitos são representados. E sem a contextualização histórica, econômica, cultural e social apropriada, a leitura dos direitos humanos se perde atrás da cortina de fumaça provocada pela ideologia da globalização neoliberal, engendrada e imposta pela entidade supra-estatal conhecida como mercado auto-regulado.
Os textos não só dão uma nova dimensão conceitual dos direitos humanos, como revelam que, moldados por instrumentos de manipulação social, esses direitos podem pôr-se a serviço da legitimação de ideologias hegemônicas. Não é difícil chegar-se à constatação de que, encarados como custos sociais pelo mercado, também os direitos são potenciais (quando não efetivos) alvos de corte: para que se constate a veracidade desta afirmação, basta que se tenha em mente a pressão do mercado nacional, que tem nos veículos de comunicação um poderoso instrumento de manipulação, para a redução dos direitos conquistados a duras penas pelos trabalhadores brasileiros. Tudo em nome da “autodeterminação dos trabalhadores”, da “liberdade de contratar” e do “valor social da livre iniciativa”.
A propósito da construção teórica dos direitos humanos como produto cultural ocidental, poder-se-ia objetar que o autor estaria a negar eficácia dos DDHH aos integrantes de outras culturas. Essa afirmação, no entanto, estaria divorciada da mensagem dos textos sob exame, que prega o respeito e à sensibilidade às diferenças como ponto de partida dessa construção conceitual. Como exposto em “Los derechos humanos como procesos de lucha por la dignidad”, qualquer formação social – não só as ocidentais – tem sabido reagir frente a suas próprias realidades e “culturalmente falando, não há um processo cultural mais importante ou mais válido e legítimo que outro” .
Enfim, os textos trazem uma série de pontos dignos de apreciação mais detida e aprofundada. Revelam, é verdade, a perversidade do capitalismo globalizante, que a tudo reduz a moeda de troca, e do império do mercado, a que mesmo os Estados vêm se submetendo. Mas, por outro lado, relembram que a luta pela dignidade e a oposição à ideologia neoliberal é travada dia após dia, por indivíduos e grupos os mais diversos, e com instrumentos que aliam a criatividade à esperança e à capacidade de causar mudanças concretas no mundo, visando a proporcionar a todos, de modo igualitário, uma vida mais digna de ser vivida.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Rosacruzes abstratos...

O que muitos não compreendem, porque enredados no misticismo, no ocultismo e na tentativa do purismo espiritualista de certas organizações rosicrucianas, é que historicamente a Rosa+Cruz assumiu a luta pela liberdade, pela igualdade e pela fraternidade. Isso implica ativismo social, político e cultural, não apenas prática espiritual. Não somos, os Rosa+Cruzes, como o Adão pintado por Masaccio, que tapa o rosto para não ver o mundo contaminado pelas imperfeições. Uma Rosa+Cruz meramente espiritual, impermeável às exigências humanas, é qualquer coisa de estranha ao espírito rosicruciano original (e aqui afastamo-nos também da Télema de Crowley, cujo eixo é o ser humano considerado unicamente em sua dimensão individual - do que, curiosamente, não difere a orientação das inúmeras organizações rosicrucianas que pululam no espaço hermetista).
Baseados no enredo de nossa Confraria, originaram-se algumas grupos sob a denominação RC, obviamente impregnados pelos campos dogmáticos e pragmáticos por que seus fundadores e dirigentes mais se interessavam. Embora não se possa negar o seu valor, é certo que esses grupos espelham mal a Fraternidade que alegam representar; afinal, tentam levar o ser humano à salvação, mas pregam uma atitude essencialmente voltada para dentro e marcadamente preocupada com o que há de extra ou ultrafísico. Falham, portanto, em concretizar reformas coletivas e sociais, afastando-se do espírito que anima os Manifestos originais, notadamente a Fama e a Confessio Fraternitatis.